sábado, 23 de fevereiro de 2008

Síndrome do Coração Partido

A SCP é ainda mais difícil de encarar do que as outras doenças, porque não podemos faltar ao serviço, nem às aulas, nem vestir luto, nem chorar...

“Quentes são as lágrimas que escorrem do rosto de quem sofre...”
Uma reportagem imensa, páginas e páginas da Revista Viva Saúde, trouxe a notícia: “coração partido leva ao infarto”. É bem verdade que a comprovação científica chegou agora. Só quem nunca teve o próprio coração partido, porém, não sabia, por experiência própria, que isso traz conseqüências bastante funestas e inevitáveis.


Tem gente que se mata, tem os malucos que matam a ex-companheira (e vice-versa), tem a turma da depressão, o pessoal da cachaça e aqueles que estraçalham a própria vida pois, só de raiva e vingança, arrumam outro ser humano e se casam, em 30 dias. Orbitando em torno destes tipos difíceis, tem a classe (inteira) do deixa disso e os amigos da onça que ficam dando notícias dos ex-amores: de preferência notícias maravilhosas, só para que o portador da síndrome sofra ainda mais. Estes poderiam ser chamados também de os profetas do apocalipse. Now.

A SCP – Síndrome do Coração Partido é ainda mais difícil de encarar do que as outras doenças, porque o sujeito não pode faltar ao serviço, nem às aulas, nem vestir luto. Chorar? Menos ainda, cortar os pulsos nem pensar, que sangra e em geral as pessoas tem um medo danado de ver sangue. Bem, mais ou menos. Na verdade todos gostam de um sangue correndo das veias (dos outros) abertas por canivetadas de tristeza, melancolia, desencanto ou aflição. Todos se regojizam ao tomar conhecimento de que “tem gente sofrendo mais que eu por aí...”

Seu marido pegou o carro e saiu andando? Pois dane-se, as conhecidas mais próximas vão falar bem feito, claro, não é o marido delas. Azar dela, algumas dirão: tão desagradável, tão orgulhosa, tão azeda, parece um limão verde, uma grape-fruit, arghhhh. Só poderia acontecer isto, dirão as sacerdotizas do mal, do alto de sua sabedoria crivada de ignorância mórbida.
O problema maior é que esse mal não dá direito a uma licença-enfermidade: é preciso continuar trabalhando, vivendo, estudando. É aí que mora o perigo. A gente se arrebenta de amor mal sucedido, mal resolvido, mal tudo: não dorme de noite, chora, fica de olhos inchados e vermelhos, mete lá uns óculos escuros e vai pra escola ou pro escritório, loja, seja o que for. Além de todo o castigo, tem que continuar a encarar as atividades essenciais à sobrevivência nossa de cada mês.
Pior do que perder o marido (ou a mulher) é perder a dignidade, o respeito dos amigos, as mulheres achando logo que você vai levar embora o marido delas, eles achando que você vai para a cama com todos os garanhões da terra só para despachar a tristeza. E se você tomar um copo de cerveja a mais, ah, ela anda bebendo, coitada... O que piora as coisas é o que está em torno de você e não a partida do cachorro propriamente dita. É o vazio, preenchido por gargalhadas abafadas dos inimigos íntimos. É a dor multiplicada pela necessidade de continuar vivendo e pela exigência de quem conhece você: “o show precisa continuar”.
Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima, diz a música. Senta, curte a sua dor e só continua o show quando isto for possível, digo eu, expert feroz em descontratos de amor. Nada de dar a volta por cima, que você vai cair: fulminada por um infarto, dizem os médicos na revista.

1.Faça tudo no seu tempo;
2.dispense os maus amigos;
3.chore o que for necessário;
4. encontre auxílio entre os bons e torne-se um deles;
5.segure-se como puder.
6.Pare.
7.Pense.
Se for irrevogável, busque maneiras de sobreviver. Ninguém, mas ninguém mesmo, merece seu sacrifício: nem ele (ou ela), nem quem está em volta de você.
Porque as notícias são frias: “fulano e beltrana se separaram”. Quentes são as lágrimas que escorrem do rosto de quem sofre: estas não saem nos jornais e não freqüentam as bocas amargas, nem os sorrisos cínicos e podres dos maledicentes de plantão.

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