sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Para Salles, "Tropa" segue "Cidade"

Cineasta, que foi o primeiro brasileiro a levar Berlim, comenta vitória do filme de José Padilha, que sai em DVD no dia 27

Diretor de "Central do Brasil" avalia que produção recente vive tendência de tratar de "temas urgentes" a partir de pontos de vista internos

Primeiro brasileiro a ganhar o Urso de Ouro do Festival de Berlim, por "Central do Brasil", há dez anos, o carioca Walter Salles, 51, acha que o mesmo prêmio entregue a "Tropa de Elite" no último fim de semana reforça uma tendência iniciada com "Cidade de Deus" (2002).
O filme de Fernando Meirel- les teria lançado uma espécie de modelo caracterizado pelo tratamento de "temas urgentes a partir de livros que viram realidades específicas desde dentro". Leia, a seguir, entrevista que o cineasta concedeu à Folha, comentando o prêmio de "Tropa", que sai em DVD no próximo dia 27.


FOLHA - O que achou da premiação de "Tropa de Elite" em Berlim?
WALTER SALLES -
Um feito e tanto. José Padilha e seus colaboradores mais próximos, como Wagner Moura, o roteirista Bráulio Mantovani, o produtor Marcos Prado e o montador Daniel Rezende estão de parabéns. O argumento de que a seleção deste ano era fraca não é pertinente: Paul Thomas Anderson, Mike Leigh e o diretor coreano Hong Sang-soo são cineastas que dão relevância e legitimidade a qualquer festival.

FOLHA - O filme foi acusado de "fascista". Você achou surpreendente que um festival presidido por um cineasta de esquerda, como Costa-Gavras, premiasse "Tropa"?
SALLES -
Uma das características mais interessantes do filme é justamente a de embaralhar esses conceitos. Um exemplo: dois críticos tão respeitados quanto Cássio Starling Carlos, da Folha, e Thomas Sotinel, do "Le Monde", leram o mesmo filme de forma inteiramente diferente.

FOLHA - José Padilha disse que a vitória de "Tropa" reforça a evolução técnica do cinema brasileiro desde a tão falada "retomada", dos anos 90. Concorda com isso?
SALLES -
O filme de José Padilha reforça uma tendência iniciada por Fernando Meirelles em "Cidade de Deus", que é a de tratar de temas urgentes a partir de livros que viram realidades específicas desde dentro. No caso de "Cidade de Deus", o ótimo livro de Paulo Lins. No de "Tropa", o de Rodrigo Pimentel, Luiz Eduardo Soares e André Baptista. A questão técnica está sujeita a uma gramática cinematográfica que parece dialogar com "Cidade de Deus": cortes rápidos, voz em "off", mistura de atores profissionais e não profissionais.

FOLHA - Você concorda com a idéia de que, ao lado de "Central do Brasil" e "Cidade de Deus", "Tropa" forma um conjunto que define a temática do novo cinema brasileiro?
SALLES -
Não, isso seria reduzir em excesso suas possibilidades e características. Onde ficariam um filme tão brilhante quanto "Cão sem Dono", do Beto Brant, ou tão agudo e delicado quanto "Mutum", de Sandra Kogut? São produções que, mesmo sem atingir um grande público, irrigam e oxigenam toda uma cinematografia.
Onde ficariam, também, os documentários? Um universo que o próprio Padilha ajudou a enriquecer com "Ônibus 174" e que passa por uma fase fértil?
Da mesma forma, o cinema chinês não é só Zhang Yimou ou Chen Kaige. É também
Wang Bing e Jia Zhang-ke, e é salutar que seja assim.

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