quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Salas de cinema pornô sobrevivem como ponto de encontro para sexo casual

Os cinemas eróticos mal conseguem sobreviver na idade de ouro da indústria pornográfica

Rafael Sánchez acaricia as latas de filme com uma solenidade cinematográfica. Uma máquina de bobina que está apagada há anos domina a sala de projeções. Agora Rafael resolve tudo na base do DVD. "E não é a mesma coisa", suspira. Mesmo assim, ainda estremece ao sentir que o feixe de luz azul inunda o salão cheio de poltronas. Reflexos de 30 anos de profissão. Ele tem um modelo: Alfredo, o projecionista de "Cinema Paradiso". Mas entre sua vida e o roteiro de seu filme favorito Rafael reconhece sutis diferenças. Todas ficam evidentes quando a cabine começa a vibrar ao ritmo de uma trilha sonora de gemidos. Na tela, duas mulheres se beijam... muito.

Em 1984 foram legalizados os cinemas pornográficos na Espanha. Três anos depois alcançaram o número recorde de 85; hoje restam só nove, e longe de seu melhor momento. Segundo dados provisórios do Ministério da Cultura, em 2007 eles receberam 300 mil espectadores, 20 mil a menos que em 2002, quando existiam 13 salas. A decadência do setor é em certa medida um reflexo das dificuldades que atravessa a distribuição cinematográfica espanhola, que entre 1999 e 2006 perdeu 10 milhões de espectadores.

Os inimigos que atacam as salas em geral e as de filmes para adultos são idênticos: a Internet, a televisão e o DVD. Mas o caso da pornografia encerra um paradoxo único: a decadência das salas coincide com a idade de ouro do setor. Segundo o site de análises de consumo ToptenReview, os EUA, pátria do pornô, deram à luz 13.600 títulos em 2006, dez vezes mais que em 1988.

A sala Alba, na qual Rafael trabalha, é uma das três de Madri. Restam outras tantas em Valência, e uma em Andaluzia, uma nas Canárias e uma nas ilhas Baleares. O Alba projeta pornô desde 1986. Antes, como tantos, era um cinema de bairro. Quando Rafael começou a trabalhar, cortava as bobinas de filmes de caubói e de kung-fu. As crianças se sentavam nas primeiras filas; os casais jovens, nas últimas. A platéia mudou muito. Os espectadores agora saem vestidos como espiões. Cerca de 300 passam pela bilheteria por dia. Pagam 6,50 euros pela sessão contínua: pornografia das 10 da manhã às 11 da noite.

"Alguns assistem só um pouquinho e vão embora", explica a bilheteira do cine Postas, outro clássico de Madri, "mas a maioria passa o dia aqui." O grosso dos usuários é formado por homens de mais de 50 anos, de uma fidelidade cotidiana. O Cuenca 64, em Valência, comemora inclusive nas quintas-feiras o dia do aposentado. As visitas de mulheres ou casais não representam nem 2%, na estimativa de Adan, bilheteiro do cine de Las Palmas. Apesar de conhecer clientes felizes no casamento -"advogados que se escondem porque em casa não os deixam"-, define o espectador típico como "um homossexual de meia idade em busca de aventura".

Fora os profissionais da prostituição, fantasmas que pululam entre as poltronas buscando comprador para seus encantos, Rafael reconhece um terceiro protótipo de espectador: "Gente muito sozinha" que busca qualquer tipo de contato. "Nem todos estão aqui por causa do sexo", divaga o projecionista, embutido em um elegante terno cinza. "Isto é um pouco um clube social. No Natal inclusive damos alguns presentes com o ingresso: um reloginho ou alguma coisa."

Mas a sala do Alba dificilmente poderia ser confundida com um clube recreativo. Cerca de 20 pessoas assistem ao filme. Levantam-se, trocam de lugares... "E os que querem ficar mais cômodos sobem ao balcão, porque as poltronas são duplas", explica Rafael, iluminando com sua lanterna um homem com óculos escuros. Figuras silenciosas sobem pela elegante escada de balaustrada. Passam pelos corredores de veludo vermelho e param diante das máquinas de chocolates e preservativos. Junto a uma garrafa de uísque vazia, a única do bar, se refugiam silhuetas que trocam sussurros.

Rafael supervisiona discretamente a decoração: tira o pó das latas de filmes arrumadas nos cantos e examina as arestas dos cartazes de clássicos de Hollywood. Nas horas mortas rotula os cartazes dos filmes em exibição. Os anúncios manuais são um empecilho da lei de 1982, que proibia as promoções com fotos. Rafael é especialista em colar algum desenho alegórico entre as letras coloridas.

Esta semana é difícil para ele não ser explícito: "Sexo com Muita Gente". É mais um dos tiques da clandestinidade dos quais o mundo pornô não soube se livrar. "Não queremos publicidade. Os clientes não gostam de ser incomodados", explica Adan. É o que confirma com seu olhar agressivo um jovem romeno que descansa dentro do cinema da Corredera Baja de Madri. Ele coça a cabeça despenteada e mostra os dentes aos curiosos que aparecem na bilheteria.

Nem todos os aficionados do pornô são convencidos pela receita libertina. Há dez anos Mari Jose, uma empresária de Granada, apostou em reunir cabines de vídeo e produtos eróticos em um cinema com o interior renovado. Chamou-o de sala Cinema. "Aqui vêm casais ou jovens. O ambiente é menos sórdido e você pode beber um drinque à vontade, não como em alguns lugares em que dá nojo sentar-se", declara orgulhosa. Uma nova receita para enfrentar uma concorrência invencível. Quase provoca ternura comparar o milhão de euros que faturaram as salas em 2007 com os 60 milhões em que a revista "Forbes" calcula o negócio dos audiovisuais eróticos.

Surpreendentemente, estudos da "Adult Video News", publicação de referência no setor, demonstram que não é a rede que está drenando as salas. Basta considerar que só 34% dos homens espanhóis de 45 a 64 anos, seu nicho de mercado, utilizam a Internet, segundo o Instituto Nacional de Estatística. O grande rival continua sendo o DVD: no ano passado, 23% dos títulos comercializados na Espanha eram para adultos, segundo o Ministério da Cultura. A televisão também impressiona: desde os canais pagos até as redes de bairro recorrem à atração milionária do pornô.

Os empresários crêem que a possibilidade de encontros casuais entre espectadores é sua garantia de sobrevivência. Mari Jose não acredita que as salas possam desaparecer: "Para nós a Internet causou prejuízos até certo ponto. Continuaremos, porque a emoção de conhecer alguém e compartilhar o prazer carnal não se compara ao cibersexo". A Internet se transforma então em cúmplice, mais que em rival. A rede é o novo meio para que homens e mulheres de toda orientação marquem encontro nos cinemas. Apoiado em um cartaz de "E o Vento Levou", Rafael explica qual é o elixir da vida nos tempos do sexo 2.0: "Aqui, como em qualquer negócio tradicional, a diferença é o calor da atenção pessoal".

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