segunda-feira, 14 de julho de 2008

Noite paulistana pós-lei seca "perde" filas e badalação

Para freqüentadores, a famosa noite de points como Vila Madalena, Vila Olímpia, Jardins, Itaim e Moema não é mais a mesma

Donos de bares e restaurantes afirmam que movimentocaiu, em média, 30%

Se algum turista desavisado caísse na balada no último sábado em São Paulo, ficaria desconfiado de ter comprado gato por lebre. A tão propagada noite paulistana, um dos principais atrativos da capital, não é mais a mesma, dizem freqüentadores. Nos Jardins, às 22h40, restaurantes que antes exibiam filas de espera ofereciam lugares à escolha do freguês. Nos clubes da Vila Olímpia, nada de aglomeração, à 1h25. Antes abarrotados, bares da Vila Madalena davam até para improvisar uma pista de dança, antes das 2h. Tudo culpa da lei seca, alegam comerciantes. O movimento caiu, em média, 30%.
Tão badalada pela imprensa internacional e reconhecida em todo o país como a mais diversificada e animada, a noite paulistana está careta. Quem afirma é Helton Altman, 48, dono dos tradicionais Filial, Genésio e Genial, todos na Vila Madalena (zona oeste).
"Não temos praia. São Paulo é noite. Ou melhor, era. Não pode fumar, não pode fazer barulho, por causa do Psiu, e agora também não pode beber", diz. "A noite está muito triste."
A reportagem percorreu os points badalados das 22h30 de sábado às 4h15 de ontem. Moema, Itaim, Vila Olímpia, Vila Madalena, Jardins e região central desenharam o roteiro.
Comerciantes de bares, restaurantes e clubes não pouparam elogios à lei. Redução no número de acidentes e afugentar bêbados do volante foram os principais aplausos. Mas eles não se furtaram a criticá-la.
"O Estado deveria oferecer contrapartida: metrô e transporte coletivo para as pessoas poderem sair à noite. Assim, não sei o que vai acontecer", disse Regina Vitória, 50, gerente do São Cristóvão, também na Vila Madalena. "Fiquei até um pouco deprimida de ver a vila assim, sem movimento."
Eram 2h20 de ontem. Só cinco mesas do bar estavam ocupadas. Aquele zum-zum-zum tão característico dos botecos, não existia. Dava para ouvir o que as pessoas conversavam.
Dezessete anos de trabalho na noite paulistana, Luiz Fernandes, 53, gerente do Posto 6, na Vila Madalena, conseguiu parar antes das 3h para papear com a Folha, coisa impensável na época pré-lei seca. Ele conta que nunca viu clima tão borocoxô como agora. "As pessoas vinham de Embu, de Moema, do Morumbi, para aproveitar a "estimulante" noite da Vila Madalena, tão famosa, que virou até novela. Olha agora?"
Senhor Fernandes, não era necessário muito esforço para perceber logo o estrago. Bastava um giro no olhar pelas mesas do bar para notar que o clima na Vila Madalena, às 2h49, era o de fim de feira.

Vinho encalhado
Mesmo em lugares mais tradicionais, voltados para um público maduro, os efeitos da lei seca eram distinguidos.
Na Mercearia do Conde, no Jardim Paulistano (zona oeste), a venda de bebidas caiu 50%. "Com a chegada do inverno, estávamos confiantes no consumo de vinho. Mas, infelizmente, por causa da lei seca, a coisa está devagar", disse Élio Oliveira, 30, responsável pela casa no período noturno.
Do outro lado da rua Joaquim Antunes, o Fillipa amargava uma queda de 40% no consumo de bebidas. O movimento em geral também caiu. Ina de Abreu, sócia do Fillipa e também do Mestiço, disse que sábado foi um dia atípico. "Ainda não sabemos se é efeito das férias ou da lei seca", disse. Só que, naquele momento, a empresária não tinha dúvida. "Nunca ficamos assim em três anos de funcionamento."
Deferiu adjetivos como exagerada e radical ao citar a lei seca. "Claro que as pessoas bêbadas não podem dirigir. Agora, um cálice de vinho? Não faz diferença. Pelo amor de Deus."
Uma taça de vinho equivale a ter de 0,1 mg/l a 0,29 mg/l de álcool no ar expelido dos pulmões (ou entre 2 dg/l e 5,99 dg/l de álcool no sangue), o que dá multa de R$ 955, sete pontos na carteira e suspensão do direito de dirigir por um ano.
"A lei deveria punir quando de fato os índices de álcool interferirem nos reflexos. As pessoas saem para jantar e apreciam tomar um bom vinho", conta. "Agora, não pode mais. Fica esse clima de terrorismo. Qualquer parada no trânsito, eu logo penso: "É uma blitz"."
Para escapar de um flagrante, um grupo de quatro jovens se reveza, semanalmente, na direção. Ontem de madrugada, a tarefa coube ao estudante de engenharia Fernando Presto Dell Nero, 20. "Só água e refri", brinca. Na semana passada, quem ficou na "seca", mas nem tanto, foi Tiago Rocco, 20, estudante de gastronomia. "Confesso que tomei uma lata." Tiveram sorte. Na volta para casa, passaram bem atrás de uma blitz.
No próximo sábado, Tiago Cristovão, 20, assume o papel de motorista. "Cara, não vou bobear. Não estou a fim de pagar para ver." Os rapazes, que moram no Ipiranga (zona sul), foram ao clube O BarbarO, na Vila Olímpia, onde a venda de cerveja sem álcool cresceu 50%.
"Ainda vai levar um ano e meio ou dois para as pessoas caírem na real. Essa lei é severa demais", critica Maria Fernanda Rocha, 30, sócia-proprietária da casa, onde trabalham 70 funcionários. "Todos eles estão temerosos. Ainda não sabemos o que vai acontecer. Só sei te dizer que a venda de bebida caiu pelo menos 20%", diz ela. "Há um clima de apreensão no ar que antes não existia."

Cidade vigiada
O cantor e compositor Seu Jorge concorda. Há cinco anos, ele trocou o Rio por São Paulo. "Nunca tinha visto essa história de blitz em São Paulo", diz, enquanto toma um chope na madrugada de domingo no Filial. "No Rio, você está andando em Copacabana e, de repente, pinta uma blitz." Faz questão de dizer que é totalmente favorável à lei. "Em Los Angeles ou Miami, você vai para a cadeia, cara. Aqui, quem não segura a onda está ficando em casa."
E você, segura a onda? "Vou tomar mais um chopinho, pego meu carro e sigo para casa

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