domingo, 15 de junho de 2008

VOCÊ GOSTA DE VIDEOGAMES?

Raiva das máquinas

Tom Chatfield

A mídia não especializada ainda tende a tratar os jogos de computador como uma mistura estranha de algo um tanto ameaçador e alienígena: mais como organismos exóticos içados das profundezas do oceano do que como complexas criações humanas. Isso se tornou cada vez mais comum à medida que os videogames e a cultura que os cerca ganharam as manchetes. Em março, o governo britânico divulgou o relatório Byron, uma das primeiras investigações de larga escala sobre os efeitos da mídia eletrônica nas crianças. Suas conclusões estabeleceram uma base clara e racional para discutir a regulamentação dos videogames. Desde então, todavia, o nível do debate caiu na velha querela entre duas facções partidárias. De um lado estão os que pregam o declínio mental e moral; do outro, os altos sacerdotes da inovação e da vida 2.0. Entre os dois está uma legião cada vez maior de jogadores, ocupados em comprar e jogar, enquanto todo esse nonsense é discutido sobre suas cabeças.

Enquanto isso, a indústria de videogame continua crescendo num ritmo estonteante. A imprensa existe há uns bons 500 anos; o cinema e a música gravada há cerca de 100; as transmissões via rádio há 75; a televisão há 50. Os videogames não têm nem mesmo três décadas completas no calendário, e mesmo assim já estão correndo na pista de ultrapassagem.

Na Grã-Bretanha, de acordo com a Associação de Editores de Software de Entretenimento & Lazer, 2007 foi um ano de recorde, com as vendas de "softwares de entretenimento interativos" totalizando mais de US$ 3,3 bilhões - 26% a mais do que em 2006. Por outro lado, a bilheteria de toda a indústria cinematográfica no Reino Unido chegou apenas aos US$ 1,7 bilhões em 2007 - um aumento de 8% em relação a 2006 - enquanto as vendas de DVD e vídeo ficaram em US$ 4,32 bilhões (apenas 0,5% a mais do que em 2006), e as vendas físicas de música caíram de US$ 3,5 bilhões para US$ 2,7 bilhões. Nesse passo, os softwares de jogos, atualmente o segundo mercado de entretenimento mais rentável, devem se tornar o mais lucrativo na Grã-Bretanha em 2011.

Em termos puramente econômicos, a Grã-Bretanha tem se saído bem com essa revolução. Ela é a quarta maior produtora mundial de videogames, depois dos Estados Unidos, Japão e Canadá. Além disso, 2008 deve quase que certamente ultrapassar os recordes de vendas do ano passado graças ao lançamento do jogo Grand Theft Auto IV, que teve uma divulgação espantosa, idéia original de uma companhia com sede em Edimburgo, a Rockstar North. Em todo o mundo, as vendas do GTA IV atingiram US$ 500 milhões na primeira semana, ultrapassando todos os outros lançamentos de entretenimento da história, incluindo os livros de Harry Potter e os filmes da trilogia Piratas do Caribe.

Os mecanismos fisiológicos e psicológicos que os jogos eletrônicos empregam são, com certeza, poderosos. Nem todas as histórias de horror são apenas boatos. Em setembro de 2007, um chinês de 30 anos de Guangzhou morreu depois de jogar um jogo online por três dias seguidos - foi a quarta morte desde 2005 atribuída ao excesso de jogo. Em 2007, a Associação Médica Americana cogitou estabelecer o vício por videogame como um diagnóstico formal, e apesar de ao final ter rejeitado essa idéia, já existem médicos tratando o vício na China, na Coréia do Sul e em Amsterdã.

Como a maioria das atividades que consideramos, de certa forma, compulsivas, jogar videogame induz o corpo a produzir níveis elevados do neurotransmissor dopamina dentro de uma área do cérebro conhecida como "nucleus accumbens". Certos tipos de jogos são, todavia, especialmente adeptos da elevação dos níveis de dopamina por longos períodos de tempo por causa de sua combinação de tarefas estruturadas e recompensas variadas e regulares.

Jogar videogame é sem dúvida um problema para algumas pessoas. Apesar de não haver estatísticas consensuais, um estudo recente da Universidade de Stanford sugere que os homens são mais suscetíveis que as mulheres à compulsão pelos jogos, enquanto uma pesquisa de 2007 com 1.178 crianças e jovens dos Estados Unidos concluiu que 8,5% dos jovens que jogam videogame (com idade entre 8 e 18 anos) poderiam ser classificados como "viciados" clínicos ou patológicos.

Buscando uma perspectiva mais ampla, passei uma tarde com um especialista em games bem diferente: Adam Martin, programador líder do NCE Studio, filial britânica de um dos maiores desenvolvedores de jogos online, a Ncsoft. Adam chegou a essa posição depois de se graduar em ciências da computação em Cambridge e de passar por várias empresas de tecnologia da informação, e atualmente passa suas horas vagas escrevendo jogos em seu laptop que o ajudam a dominar o coreano - língua do país que têm a cultura de jogos eletrônicos mais desenvolvida do mundo.

"Os jogos de computador ensinam", diz ele. "E as pessoas nem percebem que estão aprendendo porque estão se divertindo. Acho que a próxima grande mudança será o uso dos videogames na educação". Mas será que o tipo de aprendizado que acontece nos jogos não é um tanto raso? "Boa parte do vício nos jogos vem fato de que à medida que você joga vai ficando 'melhor', vai aprendendo ou melhorando seus reflexos, ou dominando uma série de desafios. Mas a compreensão humana sobre o mundo vem em primeiro lugar da interação e da experimentação, à medida que o homem se pergunta 'e se?'. Os jogos são excelentes para ensinar isso também."

A complexidade não é o único aspecto dos jogos modernos a desafiar seu estereótipo. Considere os fatores demográficos: se antes os jogos eram exclusividade de garotos adolescentes, agora há cada vez mais jogadores de todas as faixas etárias e ambos os sexos. De acordo com a Associação de Softwares de Entretenimento da América, a maior associação de games do mundo, o jogador de videogame médio americano tem 35 anos de idade e joga há 12, enquanto o comprador freqüente médio de jogos tem 40 anos. Além disso, 40% de todos os jogadores são mulheres; e as mulheres com mais de 18 anos representam uma proporção bem maior da população de jogadores (33%) do que os garotos de 17 anos ou menos (18%). Muito do crescimento recente nos lucros da indústria de games foi alavancado pelo aumento da diversidade e do poder aquisitivo de sua base de consumidores; a legião de adolescentes já não é mais tão central.

Talvez o mais intrigante seja que a indústria do videogame esteja crescendo de uma forma que tem mais em comum com o velho mundo dos jogos de mímica e Banco Imobiliário do que com um cyberfuturo de sociopatas sedentários e isolados.

O próprio GTA IV tem uma função excepcional de colaboração online entre os jogadores, enquanto os jogos que mais venderam nos últimos dois anos pertencem a um novo gênero em crescimento chamado de "social-casual": jogos em que amigos e colegas se reúnem em torno de um console para competir em atividades que vão desde tocar notas em uma guitarra elétrica simulada (Guitar Hero) até cantar karaokê e trocar vídeos de suas performances, no estilo X-Factor (SingStar), ou jogar tênis com controles sensíveis ao movimento (Wii Sports). Cada vez mais, os lançamentos são determinados pela preocupação dos consumidores - o que eles consideram apropriado para seus filhos, o que querem jogar em festas ou entre gerações.

Essas novas tendências revelam uma verdade familiar, porém importante: os jogos são produtos humanos, e estão sob o nosso controle. Isso não significa que os compreendamos totalmente, mas deve nos lembrar de que não há nada inevitável ou incompreensível em relação a eles. Não importa quão profundo seja, o medo atávico é uma resposta inapropriada para qualquer tipo de tecnologia.

Os jogos começaram a desafiar algumas das acusações tradicionalmente feitas contra eles pelos defensores das belas artes: que eles não nos comovem profundamente, nem nos expõem à excitação e complexidade de uma grande narrativa. Para explorar o campo em crescimento dos jogos que se propõem a fazer extamente essas coisas, conversei com Justin Villiers, roteirista e diretor que há seis meses trocou o mundo da televisão e do cinema pelo mundo dos videogames.

"Os títulos de videogame estão ficando cada vez mais sofisticados", disse. "Eles precisam adequar as vozes e os diálogos a gráficos novos e mais realistas." Mas será que sua mudança na carreira não será vista como um retrocesso por muitos? "Os games se equiparam aos filmes em escala de produção. Centenas de pessoas trabalham nos grandes jogos. O console saiu do quarto e foi para a sala de estar. E agora há um desejo real de elaborar histórias com uma estrutura genuína, de desenvolver personagens complexos e criar mundos plausíveis. Já existem alguns jogos por aí que você poderia descrever como arte."

Por exemplo? "Um jogo de 2001 chamado Ico, para PlayStation 2. Você joga com um garoto pequeno com chifres, num mundo visualmente baseado em Giorgio de Chirico. A história é tão simples e comovente, o cenário é bonito, e os personagens se movimentam com graça. Isso é arte. Entretanto, em termos de narrativa, a maior parte do mercado de games está saturada com coisas horríveis: soldados bombados lutando contra adversários malvados ou coisa parecida. Eles estão ficando sem idéias para esse tipo de coisa, o que é parte do motivo pelo qual a indústria está de portas abertas para escritores, diretores e artistas dedicados."

Até agora, as predições calamitosas que muitos fizeram sobre a "morte" das narrativas tradicionais e do pensamento imaginativo por causa dos videogames têm, na melhor das hipóteses, uma evidência equivocada para se apoiar. A televisão e o cinema podem estar sofrendo, economicamente, nas mãos da mídia interativa. Mas os padrões literários e as vendas de livros não afundaram, e tanto os livros quanto o rádio estão se expandindo numa era que cada vez mais se rende à vida na tela.

Da mesma forma que hoje não temos memória viva da época anterior à existência do rádio, logo viveremos num mundo em que ninguém cresceu numa sociedade sem computadores. É por essa razão que devemos tentar examinar o que temos a ganhar e a perder, antes que seja tarde demais.

*Tom Chatfield é editor assistente da revista Prospect. Ele está escrevendo um livro sobre videogames.

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