sábado, 17 de maio de 2008

Woody Allen decepciona Cannes com "Vicky Cristina Barcelona"

Em 2002, Woody Allen abriu o Festival de Cannes com "Dirigindo no Escuro", uma comédia de erros sobre um cineasta (o próprio Allen) que sofre de uma cegueira temporária, mas, ainda assim, consegue rodar um filme. A piada final parecia ter sido feita sob encomenda para Cannes: o caótico filme rodado pelo homem cego fracassa nos EUA, mas cai nas graças da crítica francesa --e o cineasta muda-se, feliz da vida, para Paris.

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Penelope Cruz em cena de "Vicky Cristina Barcelona", novo longa de Woody Allen
Penelope Cruz em cena de "Vicky Cristina Barcelona", novo longa de Woody Allen

Ironia ou não, seis anos depois Allen está de volta a Cannes com seu quarto filme realizado na Europa. Depois de três histórias situadas em Londres ("Match Point", "Scoop" e "O Sonho de Cassandra", em cartaz no Brasil), ele agora aponta a câmera para a arquitetura de Barcelona, onde encena um qüiproquó amoroso estrelado pela sua atual favorita, Scarlett Johansson, a novata Rebecca Hall e os atores espanhóis Javier Bardem e Penélope Cruz.

É difícil saber ao certo, no entanto, até que ponto essa fase européia de Allen, que começou em 2005, é fruto de uma necessidade artística real ou apenas de uma combinação de oportunidades. Fato é que o diretor, como tantos outros cineastas americanos, vinha encontrando imensas dificuldades para viabilizar seus filmes nos Estados Unidos, e, a partir de determinado momento, resolveu aproveitar sua fama na Europa e acompanhar o fluxo dos financiamentos possíveis que mantivessem o intenso ritmo de cerca de um longa-metragem por ano.

Evidentemente, Allen tem todo o direito de filmar como e onde quiser e com o financiamento que for, mas o fato é que "Vicky Cristina Barcelona", bem mais do que seus trabalhos londrinos, ficou com um jeitão de filme de conveniência, tantas são as obviedades em torno dos contrastes entre a cultura européia e a americana que desfilam pela tela. Mais incômoda ainda é a visão de uma suposta latinidade espanhola, mas da qual Allen nada parece compreender.

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Javier Bardem e Scarlett Johansson atuam em "Vicky Cristina Barcelona", novo longa do cineasta norte-americano Woody Allen
Javier Bardem e Scarlett Johansson atuam em "Vicky Cristina Barcelona", novo longa do cineasta norte-americano Woody Allen

Colorido demais

Com Nova York, que durante tantos anos foi a casa e o cenário de seus filmes, Londres compartilha a língua e um certo ar cinzento --dois aspectos que passam longe da originalidade colorida de Barcelona. A câmera de Allen parece um peixe fora d'água na cidade de Gaudí e Miró, o que não seria, por si só, um problema maior, pelo menos se ele soubesse explorar seu olhar estrangeiro a favor da história que quer contar.

Mas não é o que acontece.

Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson) são duas jovens amigas americanas com visões completamente diferentes sobre o amor. Elas desembarcam de férias em Barcelona e conhecem um pintor libertário e sedutor, interpretado por Javier Bardem.

De casamento marcado com um americano com cara de relógio parado, Vicky tenta resistir às investidas do pintor, mas acaba apaixonando-se secretamente por ele depois de uma noite furtiva. Já Cristina, que logo se entrega, acaba vivendo um affair a três com ele e sua ex-mulher, interpretada por Penélope Cruz. (Não espere as tão faladas cenas de sexo ousadas, que se limitam apenas a uns beijinhos e olhe lá).

O olhar que Woody Allen lança sobre Barcelona é simplesmente preguiçoso. Ele garante, no material de divulgação, que a cidade é um personagem à parte de seu filme -mas a afirmativa parece apenas protocolar, já que o que se vê na tela não vai muito além de pontos turísticos que são visitados pelos personagens.

Com uma narração em off exagerada, que compromete o ritmo da comédia, e algumas situações repetitivas, "Vicky Cristina Barcelona" dá saltos imensos quando entram em cena os dois personagens excêntricos: primeiro, o pintor vivido por Bardem, e, mais tarde, sua ex-mulher ciumenta e explosiva, interpretada por Penélope Cruz. Ela, no entanto, dá muito mais sorte do que ele. Logo o personagem de Bardem torna-se um tanto enfadonho e pouco coerente, enquanto a personagem de Cruz, alucinada, consegue ter uma vida que vai um pouco além de uma mera peça de xadrez que se movimenta para a história caminhar -e garante os bons momentos de comédia que o filme tem

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