Em 2002, Woody Allen abriu o Festival de Cannes com "Dirigindo no Escuro", uma comédia de erros sobre um cineasta (o próprio Allen) que sofre de uma cegueira temporária, mas, ainda assim, consegue rodar um filme. A piada final parecia ter sido feita sob encomenda para Cannes: o caótico filme rodado pelo homem cego fracassa nos EUA, mas cai nas graças da crítica francesa --e o cineasta muda-se, feliz da vida, para Paris.
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Penelope Cruz em cena de "Vicky Cristina Barcelona", novo longa de Woody Allen |
Ironia ou não, seis anos depois Allen está de volta a Cannes com seu quarto filme realizado na Europa. Depois de três histórias situadas em Londres ("Match Point", "Scoop" e "O Sonho de Cassandra", em cartaz no Brasil), ele agora aponta a câmera para a arquitetura de Barcelona, onde encena um qüiproquó amoroso estrelado pela sua atual favorita, Scarlett Johansson, a novata Rebecca Hall e os atores espanhóis Javier Bardem e Penélope Cruz.
É difícil saber ao certo, no entanto, até que ponto essa fase européia de Allen, que começou em 2005, é fruto de uma necessidade artística real ou apenas de uma combinação de oportunidades. Fato é que o diretor, como tantos outros cineastas americanos, vinha encontrando imensas dificuldades para viabilizar seus filmes nos Estados Unidos, e, a partir de determinado momento, resolveu aproveitar sua fama na Europa e acompanhar o fluxo dos financiamentos possíveis que mantivessem o intenso ritmo de cerca de um longa-metragem por ano.
Evidentemente, Allen tem todo o direito de filmar como e onde quiser e com o financiamento que for, mas o fato é que "Vicky Cristina Barcelona", bem mais do que seus trabalhos londrinos, ficou com um jeitão de filme de conveniência, tantas são as obviedades em torno dos contrastes entre a cultura européia e a americana que desfilam pela tela. Mais incômoda ainda é a visão de uma suposta latinidade espanhola, mas da qual Allen nada parece compreender.
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Javier Bardem e Scarlett Johansson atuam em "Vicky Cristina Barcelona", novo longa do cineasta norte-americano Woody Allen |
Colorido demais
Com Nova York, que durante tantos anos foi a casa e o cenário de seus filmes, Londres compartilha a língua e um certo ar cinzento --dois aspectos que passam longe da originalidade colorida de Barcelona. A câmera de Allen parece um peixe fora d'água na cidade de Gaudí e Miró, o que não seria, por si só, um problema maior, pelo menos se ele soubesse explorar seu olhar estrangeiro a favor da história que quer contar.
Mas não é o que acontece.
Vicky (Rebecca Hall) e Cristina (Scarlett Johansson) são duas jovens amigas americanas com visões completamente diferentes sobre o amor. Elas desembarcam de férias em Barcelona e conhecem um pintor libertário e sedutor, interpretado por Javier Bardem.
De casamento marcado com um americano com cara de relógio parado, Vicky tenta resistir às investidas do pintor, mas acaba apaixonando-se secretamente por ele depois de uma noite furtiva. Já Cristina, que logo se entrega, acaba vivendo um affair a três com ele e sua ex-mulher, interpretada por Penélope Cruz. (Não espere as tão faladas cenas de sexo ousadas, que se limitam apenas a uns beijinhos e olhe lá).
O olhar que Woody Allen lança sobre Barcelona é simplesmente preguiçoso. Ele garante, no material de divulgação, que a cidade é um personagem à parte de seu filme -mas a afirmativa parece apenas protocolar, já que o que se vê na tela não vai muito além de pontos turísticos que são visitados pelos personagens.
Com uma narração em off exagerada, que compromete o ritmo da comédia, e algumas situações repetitivas, "Vicky Cristina Barcelona" dá saltos imensos quando entram em cena os dois personagens excêntricos: primeiro, o pintor vivido por Bardem, e, mais tarde, sua ex-mulher ciumenta e explosiva, interpretada por Penélope Cruz. Ela, no entanto, dá muito mais sorte do que ele. Logo o personagem de Bardem torna-se um tanto enfadonho e pouco coerente, enquanto a personagem de Cruz, alucinada, consegue ter uma vida que vai um pouco além de uma mera peça de xadrez que se movimenta para a história caminhar -e garante os bons momentos de comédia que o filme tem
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