sábado, 17 de maio de 2008

"Para fazer chorar, ninguém faz melhor que o cinema brasileiro", diz Seu Jorge

Como "Ensaio Sobre a Cegueira", "Carmo", co-produção entre Brasil, Espanha e Polônia, é um longa globalizado, mas com assinatura brasileira. Além de ser concebido com sotaque nacional pelas mãos do diretor Murilo Pasta, radicado na Inglaterra, e contar com equipe de vários países, "Carmo" tem ainda outras coincidências com o "primo rico" de Meirelles: teve locações no Brasil e sua estréia mundial acontece durante o Festival de Cannes, mas em exibição paralela no mercado.

Divulgação
Seu Jorge não garante presença em Cannes devido à agenda musical
As semelhanças definem-se ainda mais com a presença do ator-cantor globalizado Seu Jorge, um dos símbolos da nova geração de atores em destaque no cinema internacional, que foi revelado ao mundo pelas lentes de Meirelles em "Cidade de Deus". Seu Jorge, que vive na trama Amparo de Jesús, comenta em entrevista por telefone ao UOL Cinema sobre o longa e a relevância dos festivais de cinema.

De que se trata a história de "Carmo" e qual sua participação no enredo?
O subtexto do filme é uma história sobre fronteiras, dessas nuances entre limites e a contravenção deles. Os protagonistas são o casal Carmo e Marco [vivido pela brasileira Mariana Loureiro, de "Abril Despedaçado" e o espanhol Fele Martinez, de "Má Educação" e "Os Amantes do Círculo Polar"]. Ele é um estrangeiro paraplégico que tenta ganhar a vida como contrabandista na fronteira brasileira. Numa confusão ele se atrita, mas também se envolve, com uma mulher com uma história tão sofrida e rondada pelo crime como a dele, e aí muita coisa acontece. Eu e o Márcio Garcia fazemos uns capangas truculentos que tumultuam a história um pouco. Diverti-me com esse papel.

Como você foi parar no projeto?
Recebi o convite aqui na Europa, acho que graças a uma indicação do Márcio Garcia. Tinha 10 dias para gravar todas as minhas cenas no Brasil [o longa foi rodado em Corumbá, no Mato Grosso do Sul], mas foi tão empolgante que em seis dias dei conta tudo, naquele jeitinho pra fazer o dinheiro o dinheiro da produção render. Isso eu aprendi desde o começo, desde de "Cidade de Deus" e o Nós do Morro, que tem que tentar salvar, ralar mesmo.

O filme estréia numa paralela do Festival de Cannes que tem dois brasileiros na disputa da Palma de Ouro, logo após a conquista de "Tropa de Elite" no Festival de Berlim. Que ingredientes a geração pós-retomada incrementou que proporcionou essa atual repercussão do cinema nacional?
Houve um crescimento da cinematografia, quantitativo e qualitativo, que abriu o campo para o desenvolvimento técnico e estético no Brasil. Acho que tudo é fruto de um processo, de uma credibilidade que foi se plantando aos poucos. O cinema brasileiro atual projeta uma confiabilidade dramática por não ficar intelectualizando o social, a favela. É como na prática, visceral. O reconhecimento vem graças ao traço da autoria, da qualidade da mensagem, do material humano e como ele é aproveitado. "Cidade de Deus", por exemplo, se brincar, tem mais de 80% de elenco de não atores que deram conta do recado. E há outros nomes dessa geração como Lázaro Ramos, Wagner Moura, Alice Braga. Quem está por trás também tem um olhar sensível: diretores como próprio Meirelles e a Kátia Lund, fotógrafos como Charlone e Lula Carvalho, é uma safra em construção. Só não se tem ainda uma indústria como suporte, mas as histórias são maravilhosas. Posso até parecer presunçoso, mas dá pra dizer que no drama não tem pra ninguém, é covardia. Para fazer chorar não há melhor que o cinema brasileiro!

E por quê?
Ah, o povo tem uma história de luta, né? É sofrido, mas não perde a esperança. Tem uma singeleza para lidar com a vida. E o cinema da gente tem acesso contínuo e vivo a essas histórias que nos tocam na prática e tem como organizar isso na narrativa para ganhar uma beleza.

Você despontou em "Cidade de Deus" que concorreu a quatro Oscar, a coração do 'cinemão' americano, e agora vai estrear com filme em Cannes, que faz uma defesa do cinema autoral e independente, como percebe o contrate das premiações?
É inspirador ver a força do cinema independente à revelia da indústria. Eu percebi, quando estive em Sundance [divulgando "The Escapist" ], que mesmo durante todo o impacto da greve dos roteiristas de Hollywood, da adesão dos artistas, do prejuízo a grandes eventos como o Globo de Ouro, o festival aconteceu com grande força. O cinema independente tem sua forma de sobreviver que não precisa contracenar com o 'main stream' e isso é muito interessante. Ainda não fui a Cannes e tenho curiosidade de ver como é frisson por lá, mas dessa vez não sei se vou conseguir, se minha agenda de shows vai permitir.

E quando vemos "Seu Jorge" nas telas?
"The Escapist" estréia dia 20, mas ainda não sei quando chega ao Brasil. Nesse filme [de Rupert Wyatt, com Brian Cox e Joseph Fiennes no elenco] eu vivo um dos companheiros de cadeia de Frank Perry (Cox), um presidiário que ao receber a notícia de que a filha se tornou uma viciada em drogas e corre risco de vida com complicações do vício decide fugir da prisão. O "Carmo" deve entrar em cartaz esse ano, eu acho. Tenho dois convites ainda, de um filme francês e de outro inglês, que não fechei nada, mas estou interessado. Veremos se vou conseguir dar conta, mas estou com os roteiros em mãos.

Nenhum comentário: