sexta-feira, 21 de novembro de 2008

O genoma contra o câncer

Uma vez concluído o genoma o humano, chega a hora de decifrar o genoma do câncer. O novo projeto, promovido por um consórcio científico formado por mais de 20 países, entre os quais a Espanha, pretende desmascarar todas as anomalias genéticas que diferenciam as células cancerosas das células saudáveis para os 50 tipos de câncer mais freqüentes.

Os resultados serão úteis em médio prazo, para saber qual é o melhor tratamento para cada paciente em função do perfil genético de suas células tumorais. Em prazo mais longo, revelarão pontos frágeis dos cânceres, e assim se poderá atacá-los com novos tratamentos.

A primeira fornada de projetos para seqüenciar genomas de células tumorais foi anunciada ontem em Washington pelo Consórcio Internacional do Genoma do Câncer. A Espanha vai liderar o projeto da leucemia linfática crônica, o tipo de leucemia mais freqüente nos países ocidentais, que terá como coordenador principal Elías Campo, do hospital Clínic de Barcelona. Entre as iniciativas anunciadas ontem estão as do câncer de mama (liderada pelo Reino Unido e a França), fígado (Japão e França) estômago (China). Essas pesquisas se somarão a outras de câncer de pulmão, útero e cérebro anunciadas anteriormente por cientistas americanos.

"Vão aparecer muitos genes novos relacionados a cada tipo de câncer. Mas a questão fundamental não é se há muitos ou poucos, mas quais deles são realmente relevantes", salienta Mariano Barbacid, diretor do Centro Nacional de Pesquisas Oncológicas (CNIO na sigla em espanhol). Como os genes atuam um sobre os outros em efeito dominó - o que os biólogos chamam de rotas bioquímicas -, não será preciso corrigir a atividade de cada um dos genes alterados. "Será necessário ver quantas rotas é preciso bloquear para que um tumor desapareça. Provavelmente não serão muitas", indica Barbacid.

Um aperitivo do que trará a genômica do câncer é uma análise de células de cem tumores de fígado apresentada no último número da revista "Cell". Embora inicialmente se tenham detectado alterações em 362 genes, uma análise mais detalhada restringiu para 13 a lista de genes que podem originar o câncer. E o mais interessante: só um desses 13 genes tinha sido relacionado antes com o câncer; os outros 12 oferecem novas possibilidades para atacar a doença com novas terapias.

Essa é exatamente a grande vantagem de analisar o genoma completo das células cancerosas: não julga antecipadamente quais são os genes que serão encontrados alterados, o que revela "genes que nunca tínhamos observado", explica Xavier Estivill, do Centre de Regulació Genòmica. As pesquisas anteriores, "embora nos tenham permitido avançar muito em nossa compreensão do câncer, se concentravam em genes que eram suspeitos a priori".

Com o projeto do genoma do câncer, seus promotores esperam que as pesquisas genômicas comecem a se traduzir finalmente em avanços médicos em grande escala. O Projeto Genoma Humano culminou com a descrição dos 3 bilhões de unidades genéticas que formam o DNA de uma pessoa saudável. Mas não dizia nada sobre o que falha quando as células adoecem.

É exatamente o que o Projeto Genoma do Câncer tentará esclarecer. O novo projeto pretende seqüenciar o DNA completo das células doentes de 500 pacientes para cada um dos 50 tipos de câncer mais freqüentes no mundo. Ao todo, 25 mil genomas - enquanto todo o Projeto Genoma Humano consistiu em seqüenciar um único genoma -, um desafio que se torna acessível graças ao grande aumento de potência e ao barateamento da tecnologia para seqüenciar o DNA. Para cada um dos 50 cânceres se prevê um investimento de 15 milhões de euros e cinco anos de trabalho. Os primeiros projetos começarão em 2009.

É o caso do projeto espanhol, financiado principalmente pelo Ministério da Ciência e Inovação. Do projeto participarão, além da equipe de Elías Campo do hospital Clínic, pesquisadores do Centre de Regulació Genòmica, do Institut Catalá d'Oncologia, do CNIO de Madri, do Centro de Investigación del Cáncer e da Universidade de Salamanca e da Universidade de Oviedo. Também se somarão ao projeto grupos de pesquisa alemães e britânicos. "Deve servir como projeto piloto nas áreas de pesquisa do câncer e da genômica funcional" para pesquisadores de toda a Espanha, salientou ontem um comunicado do ministério.

Este e outros projetos de genômica do câncer ajudarão a "dar uma melhor resposta àquilo que o doente e seu oncologista sempre querem saber: o que vai mal com um tumor, que riscos de metástase existem, que combinação de terapias seria mais indicada e que possibilidades de resistência ao tratamento podem surgir", explica Joan Massagué, pesquisador do Hospital Memorial Sloan-Kettering de Nova York. "Com o tempo, o barateamento das tecnologias de seqüenciamento e bioinformáticas poderiam fazer dessa análise uma prática rotineira para cada doente de câncer."

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