sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Filme faz pessoas e atores enfrentarem seus medos



Filme sobre medo é selecionado para o Festival de Brasília.

Acaba de sair a relação dos filmes que concorrem ao Troféu Candango no próximo Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que acontece entre 18 e 25 de novembro de 2008.
Entre eles, estrela o ‘Filmefobia’, uma ficção em clima de documentário fake realizado pelo mineiro Kiko Goifman. O Repique foi conversar com o diretor para saber mais.

Kiko, do que se trata o ‘Filmefobia’.
É meu primeiro longa de ficção. Sempre fiz documentários, e já tinha experimentado algumas coisas bem curtinhas de ficção. Mas, sem querer puxar a sardinha para o lado documental, acabei usando nesse filme muitas estratégias de documentário, ele tem toda uma atmosfera de documentário.
A história trata de um experimento que teria sido feito pelo Jean Claude Bernadet – um dos principais pensadores do cinema no Brasil – que atua no filme, fazendo o papel dele mesmo. Ele acredita que a única imagem que teria uma verdade autêntica e real é a de uma pessoa enfrentando seu medo porque não existe controle.
Claro que nem eu nem Jean Claude acreditamos nessa maluquice. Isso é uma construção de roteiro. Ele encarna essa idéia e coloca as pessoas fóbicas para enfrentar suas fobias.
No site do filme (www.filmefobia.com.br) tem relatos dos fóbicos e também um diário de filmagens que é completamente mentiroso. Mas é de propósito porque o filme está discutindo imagem, formato, intervenções, fronteiras... tem toda uma cara de making of.



Mas as fobias ali são verdadeiras...
Trabalho com atores interpretando fobias, pessoas fóbicas reais enfrentando suas fobias e também atores fóbicos, que como qualquer outra pessoa tem seus medos.
Os fóbicos sabiam o que eu ia fazer e topavam, os atores não sabiam, e tinham liberdade de criação.

Tem algo de laboratório e cobaia humana nesse seu filme...
Tem, claro. É um filme de humor. Também é para discutir isso. As pessoas topavam pelo espetáculo, para compartilhar uma dor ou para aparecer. Se fosse um documentário eu estaria preso, tem uma série de questões éticas implicadas ali.
A Diretora de Arte, a Cris Bierrenbach, desenvolveu todas as traquitanas do filme – máquinas alucinadas que provocam as fobias. Não foi simplesmente jogar uma cobra no colo de alguém. Teve o trabalho do Livio Tragtenberg também que fez a música toda executada ao vivo - não existe música de pós-produção – em que ele criava a atmosfera sonora para as fobias, criava o clima.
Por exemplo, a gente discute muito sobre sangue no filme. E o Livio, ao vivo, mixava falas de aulas de biologia, lia trechos sobre o aparelho circulatório, coisas que me faziam desmaiar bastante quando era um estudante.

Sim, você também aparece no filme interpretando sua fobia...
Eu interpreto um fóbico de sangue porque eu tenho medo de sangue. Desmaiei pelo menos umas três vezes fazendo o filme. Tem uma cena em que eu levo um banho de sangue de boi, de verdade... em outra, tem um jogo de poker em que trocamos as imagens normais do baralho por imagens de cortes e feridas. A Cris (diretora de arte) se cortava e fazias as fotos. Eu já desmaiava na pré-produção.
E tem aí uma coisa engraçada: quando eu desmaiava ninguém podia cortar a cena. O combinado era que só cortasse a cena depois de dez segundos de que eu voltasse do desmaio e falasse ‘corta’. Não antes disso. Se alguém cortasse antes, eu matava.

Por que fazer um filme sobre fobias?
Eu sempre fiz filmes que tivessem traços autobiográficos. No ‘33’ eu fui em busca da minha mãe biológica. No ‘filmefobia’ eu entendi minha busca a partir da fala de um ator “a fobia é uma coisa inútil” – e resolvi transformar minha fobia em uma coisa legal.
O medo é uma coisa fundamental para entender o mundo de hoje – desde questões de cunho político, o medo americano de terrorismo, o medo brasileiro de violência, a insegurança, os condomínios fechados até as relações domésticas que são baseadas em medo e coerção. As pessoas se armando... O medo simbólico diante de uma crise financeira anunciada - as pessoas já estão vivendo esse medo.
O medo é muito íntimo. Normalmente as pessoas escondem.

E de quem medos você tratou?
Olha, tem uma distinção básica entre medo e fobia. Se você colocar uma cobra dentro de uma sala fechada, todo mundo vai sentir medo, não precisa ser um fóbico de cobra. O fóbico de cobra não pode ver uma foto de uma cobra numa revista, coisas assim que aparentemente não oferecem perigo.

Entendi. Então, de que fobias você tratou?
O filme tem pelo menos umas 15 fobias. As tradicionais: de avião, sangue, claustro... e as mais estranhas - fobia de botões, por exemplo, em que as pessoas não usam camisas. Fobia é um medo e um asco também. Encontrei umas seis pessoas com esse tipo de medo.
Fobia de anão, uma das mais terríveis. A pessoa se sente muito mal de rejeitar alguém, mas não consegue conviver. Fobia de borboleta... tem um fóbico real que tinha medo de anão e de borboleta.

Mas de borboleta?, que perigo oferece uma borboleta?
Porque a borboleta tem um vôo errático, ele acha que vai voar na direção dele.
(continuando alista de fobias presentes no filme) De pombos também, colocamos um cara desses vestido com uma roupa cheia de pães em um lugar com mais de cem pombos. É desesperador, qualquer pessoa passaria mal - mas você não pode nunca me perguntar se ele era um ator ou não.



Outro dia conheci uma pessoa que tinha medo de palhaço.
Tem. Palhaço tem uma longa seqüência. Tem até uma polêmica, o Vitor Ângelo é fóbico de palhaço e participa. Ele foi aluno de Jean-Claude quando estudou cinema e, a meu pedido, ele aproveitou e falou um monte para o Jean-Claude. E Jean-Claude retrucou de improviso. Eu deixei isso porque eu gosto dessa idéia do acaso. Às vezes eu não tenho saco de assistir filmes de historinhas ok, fechadas. No ‘Filmefobia’ você assiste e não sabe o que vai acontecer nos próximos cinco minutos.

E a seleção para o Festival de Brasília?
Acabei de saber de Brasília. Lá é uma mostra competitiva, em que só seis filmes participam, um por noite. E não tem separação entre as categorias ficção e documentário. O barato é esse. Esse ano, particularmente, dos seis filmes escolhidos, quatro são documentários e dois outros ficção, incluindo aí o meu.

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