domingo, 6 de julho de 2008

moradia 4 em 1 A entrega dos primeiros apartamentos em dois condomínios de luxo ligados a shoppings marca um novo conceito, associado a trabalho, consumo e diversão


Uma minicidade está nascendo dentro de São Paulo. É um pequeno universo de sonhos, com promessa de segurança, espaços arborizados, sem engarrafamento e com todos os serviços à mão. Um luxo para poucos paulistanos, mais precisamente os 275 que já se dispuseram a pagar entre R$ 2 milhões e R$ 17,3 milhões por um apartamento no Parque Cidade Jardim, empreendimento que reúne prédios residenciais, comerciais e um dos shoppings mais lu-xuosos da cidade, inaugurado no final de maio.

"Vou mudar de um terreno de 2.000 m2 para um de 72.000 m2", compara Camilo Nader, 62, industrial que irá trocar sua casa no Morumbi, onde viveu nos últimos 25 anos, pelas amplas áreas verdes e serviços "prime" oferecidos pelo complexo. No mês que vem, quatro das nove torres do empreendimento na zona sul da capital começam a receber os primeiros moradores. Hoje, apenas o shopping está em funcionamento.

O Parque Cidade Jardim tem como inspiração grandes empreendimentos ao redor do mundo, como o Time Warner Center, em Nova York, na beira do Central Park, e o Bal Harbour Shops, em Miami, na Flórida. "O conceito de uso misto, ou 'mixed-use', combina o 'play' (divertir), o 'work' (trabalhar), o 'live' (morar) e o 'shop' (comprar)", explica Daniel Mcquoid, 51, vice-presidente da construtora JHSF. Em Kuala Lumpur, na Malásia, o Petronas Twin Towers, segundo edifício mais alto do mundo, e o Kuala Lumpur City Center são outros exemplos de empreendimentos dentro dessa filosofia. Além do Parque Cidade Jardim, também em São Paulo, será inaugurado o condomínio Parque Villa-Lobos, com características semelhantes.

O executivo Marcos Quintela, 37, que hoje mora no Morumbi, vai se mudar para um apartamento de 600 m2 no edifício Jabuticabeiras, um dos primeiros residenciais a ficar prontos no Parque Cidade Jardim. Casado com a empresária Débora, 35, e pai de três crianças, Marcos justifica a troca em busca de maior qualidade de vida. "Quero deixar de gastar tempo no trânsito para ficar mais com meus filhos", afirma, fazendo coro com a mulher. "O que pegou foi poder freqüentar a academia e levar as crianças à natação e ao balé sem precisar pegar o carro", emenda Débora.

A única preocupação é a superexposição dos filhos Pietra, 8 meses, Caio, 2 anos, e Luca, 5, ao apelo irresistível das vitrines. "No começo, a idéia de morar tão próxima de um shopping me deixou assustada", diz. "Mas a questão do consumo na vida das crianças depende da educação que os pais dão."

A família Quintela adquiriu ainda um escritório nas torres comerciais, que só devem ser entregues em 2010. "Não sei se vou trabalhar lá quando ficar pronto, mas o investimento foi feito", diz ele. Débora está de olho na sala comercial. "Minha empresa fica em Higienópolis, o que é relativamente longe. Pretendo levar meu escritório para lá."

Os Quintela vão, assim, fechar a equação de um novo jeito de viver na metrópole, unindo moradia, trabalho, lazer e consumo dentro do mesmo espaço, uma grande vantagem numa cidade de trânsito caótico. Justificar a opção por mais comodidade, qualidade de vida e segurança não evita as críticas ao novo conceito "4 em 1" de moradia. "É uma tendência que mostra o empobrecimento da questão urbana. Quem vive isolado perde a riqueza de estímulos que a cidade tem", afirma a arquiteta e urbanista Maria Lucia Refinetti Martins, 56, da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo).

Quando o conceito ganha um quarto elemento, o consumo (lojas e serviços) no quintal de casa, os estudiosos da vida urbana ficam ainda mais temerosos em relação ao futuro da cidade como espaço de civilidade e de cidadania. "Se todo mundo se fechar em seus muros, a situação fora vai ficar muito pior", teme Maria Lucia.

Retorno de Alphaville
Na selva de pedra da metrópole, enquanto as soluções coletivas para a violência e o trânsito, questões centrais do debate urbano na atualidade, não aparecem, os habitantes das classes mais privilegiadas buscam segurança e qualidade de vida individualmente. Para Luiz Célio Bottura, 68, consultor em engenharia urbana, empreendimentos como o complexo Cidade Jardim em pouco ou quase nada ajudam na melhora do tráfego caótico da cidade, que já chegou ao recorde de 266 km de congestionamento em maio deste ano. "É um luxo para um público pequeno", diz. Ele defende "soluções multifuncionais" -centros comerciais, condomínios etc- ao longo das estações de trem, metrô e corredores de ônibus.

Não é de hoje que os problemas das grandes cidades fazem moradores buscarem refúgios isolados. A diferença agora é que tal asilo está migrando para verdadeiras fortalezas modernas erguidas nas regiões mais centrais da cidade.

O marco da vida entre muros foi a criação, há três décadas, dos condomínios de Alphaville, em Barueri (a 30 km de São Paulo). "A distância foi compensada pela estrutura criada no local", afirma o engenheiro Marcelo Takaoka, 50, ?lho de Yoshiro Takaoka, um dos idealizadores do projeto, que morreu em 1994. Há 14 anos, a designer de interiores Elaine Barros Santos, 45, e a família saíram do bairro do Butantã rumo a Alphaville. Em agosto, vão fazer o caminho de volta. Ela escolheu morar em um dos 225 apartamentos do condomínio Praça Villa-Lobos, com preços a partir de R$ 2,27 milhões, de 264 m2 a 866 m2 (cobertura duplex) espalhados por nove torres. Sete delas serão entregues no próximo mês.

"Fechei um ciclo. Não agüento mais ter que pegar o carro para fazer tudo", afirma Elaine, encerrando uma fase em que procurou proporcionar aos três filhos -hoje com 10, 12 e 15 anos- "uma infância que não existe mais", com a possibilidade de brincar na rua. Ainda que essa rua fosse murada e protegida dentro de um condomínio.

Os adolescentes agora vão viver no bairro Alto de Pinheiros, tendo como quintal o parque e o shopping Villa-Lobos. "Aqui ao lado tem a USP e o parque. É uma área mais livre e aberta. A gente vê o verde. E, conseqüentemente, temos o shopping à disposição", diz a mãe. O acesso exclusivo ao shopping Villa-Lobos é um dos pilares do marketing dos corretores. "É uma tranqüilidade do interior. Isso é luxo", afirma Mirella Parpinelle, diretora de atendimento da Lopes, empresa responsável pela comercialização dos imóveis.

Um dos grandes diferenciais do empreendimento é a vista permanente de todos os apartamentos para o parque Villa-Lobos, mas o acesso ao local só é possível de carro a partir do condomínio. Uma praça central com 13.000 m2 será o espaço verde entre os muros e mais um dos confortos à disposição dos moradores. "Em praças públicas, andam a mulher, o marido e o trombadinha juntos. Qualidade de vida e segurança, em São Paulo, não têm preço", afirma José Júlio de Cunto, 52, diretor da Sintra Empreendimentos Imobiliários, empreendedora do condomínio Praça Villa-Lobos.

Socialização
A mudança para um local com todas as facilidades de um shopping também vai marcar uma nova fase na vida do industrial Camilo Nader. Morar no Parque Cidade Jardim na terceira idade é encarado por ele como uma nova forma de socialização.

Com três filhas adultas, duas delas já casadas, Camilo quer ficar mais próximo da turma que faz parte do seu círculo social. "Lá, todo mundo se conhece. A gente vai ficando mais velho e sozinho. É muito animador saber que basta pegar um elevador para encontrar amigos, ver gente bela."

O local também pode ser visto como um paraíso para os jovens. A arquiteta Marina Torre, 24, e seu irmão, o empresário Paulo Torre, 25, que moram com a família em uma casa no Morumbi, vão sair da residência dos pais direto para o complexo do Cidade Jardim. Cada um ganhou do pai um apartamento de 235 m2 no edifício Begônias. Ela vai morar no 14o andar; ele, no andar de cima. Marina, que já quebrou paredes e prepara a decoração de seu novo lar, está empolgada com as facilidades que terá após a mudança. "Ter cinema aqui vai ser 'animal'. Vou poder decidir a qual filme assistir faltando apenas cinco minutos para a sessão", comemora. "E, se precisar comprar um presente para um aniversário, fica bem fácil: é só descer e escolher."

Outra vantagem é dispor de uma academia no "quintal". Ela, que já demorou 50 minutos entre a casa e a academia Reebok da Vila Olímpia, terá que fazer apenas uma "baldeação" de elevador para malhar. "Vou viver lá: almoçar, trabalhar, ir à academia", prevê. "Por causa da falta de segurança e do trânsito, as pessoas vão ter que resumir a sua vida num bairrinho. Você vai acabar saindo só à noite."

Para absorver esse novo público, a Reebok também mudou de casa. Fechou sua unidade no Morumbi para ocupar um andar inteiro do shopping Cidade Jardim, uma área total de 6.400 m2. "Nunca tive muita atração por shoppings, mas gostei do conceito diferenciado, de proporcionar o máximo para as pessoas se sentirem bem", diz José Otávio Marfará, proprietário da Reebok, que investiu R$ 11,5 milhões na megaestrutura.

Os moradores vão dispor ainda de um spa, que deve ser aberto no mês que vem. "Será oferecido um menu exclusivo para os moradores. Eles poderão usufruir dos serviços em sua própria casa. Nem vão precisar descer", diz Sharon Beting, 36, diretora do shopping Cidade Jardim. Outro mimo é que os moradores não vão precisar carregar sacolas. As lojas estão preparando outros atendimentos VIP, como levar as compras para o apartamento.

Os serviços "prime" e o conforto de diminuir o tempo dentro do carro foram relevantes para quem decidiu morar no shopping. Entretanto, segurança é o principal item apontado por todos que compraram esse pacote. A consultora Raquel Oliveira, 32, muda-se para o Parque Cidade Jardim no ano que vem. "É um privilégio poder ter segurança em um empreendimento como esse. Quando se tem filhos, o instinto maternal de garantir um dia-a-dia mais seguro para eles fala mais alto", diz ela, que é responsável pela área de novos negócios da Daslu, instalada no outro lado da marginal e que ganhou também uma filial no novo shopping.

Não é um bunker
Raquel já foi assaltada três vezes. Está comprando a promessa de paz. No Parque Cidade Jardim, haverá guarita, rondas, todos os muros e cercas monitorados por câmeras, além de seguranças do lado de dentro e de fora. Segundo a JHSF, apesar da alta tecnologia, isso não é nada além do habitual nos condomínios com esse padrão. "Não vai ter satélite vigiando ou tanque na porta. É um condomínio, não um bunker", afirma Daniel Mcquoid, da JHSF.

O rateio desse custo é um atrativo. "Aqui, há pessoas para dividir a conta de uma segurança reforçada", aponta Raquel. "Assaltantes preferem prédios isolados. Vão pensar duas vezes antes de assaltar um empreendimento com essa proteção."

A violência da metrópole pesou também na decisão de Camilo de embarcar no conceito "4 em 1". "Apesar de eu morar em uma rua sem saída, trata-se de uma segurança muito mais frágil se comparada à do shopping e à dos prédios", diz ele, que calcula a economia que terá. "Vou desembolsar muito menos do que gastaria com seguranças particulares." Ele compara a despesa para dispor da mesma proteção na atual casa com os R$ 3.000 mensais que desembolsará no condomínio.

É um preço que embute mais que segurança. "Assim que as torres comerciais ficarem prontas, pretendo me transferir para lá. Vou trabalhar de carrinho de golfe e almoçar em casa todos os dias", planeja. "Qual morador de São Paulo tem o privilégio de fazer isso?"

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